"Cada qual descrê da sua arte e dos seus artifícios. Eu, que me resignei a pôr em dúvida a indefinida duração de Voltaire ou de Shakespeare, acredito (nesta tarde de um dos últimos dias de 1965) na de Schopenhauer e na de Berkeley."
Bom… o pouco pode dizer muito… e essas linhazinhas apenas dão para navegar em vastas e profundas águas. Assim como uma viagem transatlântica, de Lisboa a Buenos Aires, com muita parra, muita uva e muito sumo :)
Ser ou não ser. O Ser. Voltaire subscrevia a liberdade de expressão que abre portas a todas as liberdades. Defendia que o homem pode ser livre, se o consentirem. Shakespeare denunciava o bem e o mal nos conflitos humanos, interiores e em sociedade.
Temos, de facto, essa liberdade, de ser, fazer e dizer? Tenho para mim que a liberdade de pensamento é a única verdadeiramente nossa, o único lugar que regemos e onde ninguém mais pode. E pode o indivíduo tornar-se melhor?
Penso que Borges se resignou na descrença da liberdade de Voltaire, pois que esta é ilusão - e a Revolução Francesa vem a mostrá-lo – e duvidou da perenidade de Shakespeare porque, cómicas ou trágicas, as personagens deste, assim como as de Gil Vicente, reflectem a essência humana, heroínas dos seus dramas pessoais, com as quais Shakespeare pretende não somente denunciar [menos ainda apenas fazer rir ou chorar] mas confrontar os homens e assim torná-los melhores no seu âmago. Já Schopenhauer, o descrente, é o homem do pessimismo [Borges também o era]. No fundo, é à luz de Shopenhauer que dizemos ser necessário passar pela doença para apreciar a saúde, roçar a morte para dar valor à vida. George Berkeley, a seu jeito é também um pessimista no que respeita o indivíduo. Não é neste que ele acredita, mas num ser superior. A sua formação religiosa fá-lo crer que o ser humano por si só é desprovido de luz, iluminado pelo divino caso descodifique os seus sinais.
Talvez seja exagero dizer que Borges era um fanático de Berkeley, mas este influenciou vivamente a sua escrita em prol da ideia e da percepção desta. A verdade está na percepção, no que a mente apreende. Borges não é um pitagórico, que mistura a mística e a ciência, mas um seguidor dos paradoxos de Zeno e de Parménides, o filósofo da contradição e da negação, que dividia o mundo entre o positivo e o negativo e defendia ser a mudança uma ilusão.
O Ser. That’s the question… Todos eles se debruçaram sobre a mente, o ser. A existência e o conhecimento humanos. Os optimistas e os pessimistas. Borges divorcia-se da crença de Voltaire e Shakespeare. Schopenhauer, Berkeley… mais não dizem que da descrença de Borges no mundo que o rodeava e o seu fascínio pelo fantástico e o metafísico.
Bom… o pouco pode dizer muito… e essas linhazinhas apenas dão para navegar em vastas e profundas águas. Assim como uma viagem transatlântica, de Lisboa a Buenos Aires, com muita parra, muita uva e muito sumo :)
ResponderEliminarSer ou não ser. O Ser.
Voltaire subscrevia a liberdade de expressão que abre portas a todas as liberdades. Defendia que o homem pode ser livre, se o consentirem. Shakespeare denunciava o bem e o mal nos conflitos humanos, interiores e em sociedade.
Temos, de facto, essa liberdade, de ser, fazer e dizer? Tenho para mim que a liberdade de pensamento é a única verdadeiramente nossa, o único lugar que regemos e onde ninguém mais pode.
E pode o indivíduo tornar-se melhor?
Penso que Borges se resignou na descrença da liberdade de Voltaire, pois que esta é ilusão - e a Revolução Francesa vem a mostrá-lo – e duvidou da perenidade de Shakespeare porque, cómicas ou trágicas, as personagens deste, assim como as de Gil Vicente, reflectem a essência humana, heroínas dos seus dramas pessoais, com as quais Shakespeare pretende não somente denunciar [menos ainda apenas fazer rir ou chorar] mas confrontar os homens e assim torná-los melhores no seu âmago.
Já Schopenhauer, o descrente, é o homem do pessimismo [Borges também o era]. No fundo, é à luz de Shopenhauer que dizemos ser necessário passar pela doença para apreciar a saúde, roçar a morte para dar valor à vida.
George Berkeley, a seu jeito é também um pessimista no que respeita o indivíduo. Não é neste que ele acredita, mas num ser superior. A sua formação religiosa fá-lo crer que o ser humano por si só é desprovido de luz, iluminado pelo divino caso descodifique os seus sinais.
Talvez seja exagero dizer que Borges era um fanático de Berkeley, mas este influenciou vivamente a sua escrita em prol da ideia e da percepção desta. A verdade está na percepção, no que a mente apreende. Borges não é um pitagórico, que mistura a mística e a ciência, mas um seguidor dos paradoxos de Zeno e de Parménides, o filósofo da contradição e da negação, que dividia o mundo entre o positivo e o negativo e defendia ser a mudança uma ilusão.
O Ser. That’s the question…
Todos eles se debruçaram sobre a mente, o ser.
A existência e o conhecimento humanos. Os optimistas e os pessimistas.
Borges divorcia-se da crença de Voltaire e Shakespeare. Schopenhauer, Berkeley… mais não dizem que da descrença de Borges no mundo que o rodeava e o seu fascínio pelo fantástico e o metafísico.